terça-feira, 27 de novembro de 2007

O Sekulo das Neves

Os olhos lhe percorrem a rasteira vegetação.
O límpido ar do Alto Bimbe flui-lhe pelas narinas.
Em solenes passadas desliza pelo macio chão.
No barro cinza, os jimbos escavaram suas tocas.

Na Chela, as águas prosseguem nos seus leitos.
Como elas, assim o sekulo conhece o seu destino.
Segue calmo e seguro, pisteiro de um nunce fugido da Tunda.
Estas são terras suas, como seu é o sangue que já o chão provou.

Sekulo das Neves, terra de tortulhos,
Kahango dos cinzentos olhos.

Não há quem lhe conheça a idade, no eumbo.
Tão velho como a memória nhaneca, tão novo que ainda não nasceu.
Sobre as pedras rosadas, à beira da Fenda, olhando ao longe o Chamalundo.

A lembrança do seu antigo amor naquele local sempre lhe surgia, teimosa.
Daquela muíla linda, indómita e rebelde, que num dia assim lhe partira.
Por todos os dias como este, ainda hoje a espera.
Sabe que voltará, a esta terra em que viram nascer a luz, doce como os seus olhos.
Virá procurando a fonte das suas águas.
Descobri-la-ão, de mãos dadas, bem perto do céu.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

O Dia Da Outra Metade...


Sou uma pequena folha de mutiati. Colophospermum mopane. Melhor dizendo, há quem considere que sou apenas metade de folha. De facto, as folhas do mopane são compostas e divididas em duas partes, lembrando asas de borboleta. Apesar de estarmos na estação certa, há muito que não chove na zona onde moro. Mas hoje a esperança renasceu: do lado da Serra, o horizonte escureceu, e sem que se ouvissem os respeitados ribombos que anunciam as desejadas chuvadas, algumas gotas do céu cairam. Uma delas chegou mesmo a cair sobre a outra metade da folha, desta vez não sobre mim, mas foi pertinho, pertinho!...

O Professor do Dongue

O jipe deslizava, vindo da tunda dos Gambos, em direcção à Quihita. Grande diversidade na envolvência vegetal da longa picada impedia qualquer monotonia aos seus cerca de oitenta quilómetros. Ali, o chão era de areia rosada, entre abundantes mutiatis. Mais à frente, a verdura surpreendia, sucedendo a seca e rasteira vegetação por copas que cobriam de sombra o caminho. Depois, o piso tornava-se mais duro e poeirento, deixando ver nas elevações a serra no horizonte. Agora, já na zona do Dongue, de ambos os lados avistávamos kimbos. Nossos olhos, já habituados às tonalidades dominantes da estação seca - ocres, castanhos, cinzentos - viram-se de súbito surpreendidos pela brancura de uma bata branca no meio de um desses kimbos. Na mão de quem a vestia, uma bola de futebol, preta-e-branca. O Professor dava uma aula de Educação Física.

Germana, da Huíla


O trilho era estreito, entre espinheiras, e à nossa frente, lata de vinte litros de água na cabeça, seguia uma jovem mulher, com seu bebé às costas. Seguia balançando elegantemente os braços, com passo certo, sem entornar uma gota. (Como lhe invejariam o porte as modelos da moda...) Atrás dela, o jipe seguia lento a sua caminhada, e quando o trilho se alargou, pudemos ver seu rosto, sereno, sem sinais de esforço. Soubemos que seu nome é Germana, e que tem 21 anos. Sorri, não se queixa da vida, não fala do peso da lata. Perguntámos se tem kimbalas para vender, diz que sim, vai buscar, sua casa é já ali adiante. Segui-mo-la, agora o seu passo é um pouco mais rápido, o bebé recebe umas gotas sobre o rosto.

A Missão


Naquela fresca manhã, ainda mal despontavam os primeiros raios de sol através das copas do arvoredo, Padre Carlos lentamente caminhava, seguindo um trilho pedestre entre os troncos, cheirando o perfume suave das folhas frescas, sorrindo com os chilreios da passarada. Fora divina a mão que o guiara a este local, para cumprir o desígnio de fundar no Sul de Angola uma Missão. Divinas paragens, de beleza convidando à meditação. Pertinho, ficava uma linda cascata. Continuou, pisando o chão fofo, de folhas caídas. O som do pisar das suas sandálias mudou quando chegou ao chão empedrado, do rudimentar pavimento que rodeava o modesto altar. Era nessa precária edificação, assemelhando-se a uma simples mesa de madeira que se preparava para celebrar a Missa matinal. A Missão da Huíla tinha sido fundada, mas o seu fundador não tinha encontrado uma igreja já pronta a inaugurar. Assim, enquanto era erigido o local de culto, tinha convencido os padres a fazer no meio da mata este recinto, como uma capela provisória. Com a madeira dos troncos das árvores cortadas para abrir a pequena clareira, se fizeram os bancos corridos, paralelamente dispostos em filas, como em qualquer igreja. Nesta, não se fazia sentir a necessidade do abrigo da Natureza. Antes, as paredes e teto afastariam os fiéis do pulsar da vida, luxuriante à sua volta, exuberante e plena, motivando louvores ao Criador. Assim reflectindo, interrogava-se Padre Carlos se quando estivesse edificada e pronta a bela e majestosa igreja projectada a cerca de cem metros dali, no calmo silêncio da doce luz coada do seu interior, se viria a ouvir pelas janelas da abóbada o piar das rolas...